Alvo de privatização, refinaria baiana lidera produção de derivados de petróleo
Nos cinco primeiros meses de 2020, a Refinaria Landulpho Alves ocupou o topo do processamento de petróleo e foi responsável por um quarto do combustível marítimo produzido pela Petrobrás
Por Guilherme Weimann
A pandemia de coronavírus parece não ter diminuído o ímpeto da atual direção em privatizar a Petrobrás – a maior estatal brasileira. Na mira desde o ano passado, estão oito refinarias da companhia, incluindo a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada no município de São Francisco do Conde, na Bahia.
Pela primeira vez em uma década, a RLAM está liderando o processamento de petróleo na Petrobrás – nos cinco primeiros meses deste ano foi responsável por 15,6%, do total produzido na estatal. Com isso, a Refinaria de Paulínia (Replan), maior em capacidade de refino, ficou para trás – processou apenas 14,5%.
Uma das explicações foi a hibernação de duas unidades da Replan, uma de destilação e outra de craqueamento, entre fevereiro e junho, devido à queda na demanda por combustíveis durante o isolamento social.
A outra é o aumento da procura internacional pelo óleo bunker, destinado aos navios. Desde o início deste ano, passou a vigorar uma nova especificação mundial dos combustíveis marítimos (IMO 2020), estabelecidos pela Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (Marpol), que reduziu de 3,5% para 0,5% o limite de teor de enxofre. Isso favoreceu a produção brasileira, que possui matéria-prima e capacidade de produção do derivado compatíveis com essas características.
Também nesse produto, destaca-se o potencial da RLAM, que entre janeiro e maio fabricou 25,5% de todo óleo bunker da Petrobrás – 530 de um total de 2082 toneladas. Logo na sequência, aparece a Replan – com 302 toneladas ou 14,5% da produção total.
Em 2019, o percentual de participação da RLAM foi ainda maior – 37% de todo óleo bunker produzido pela Petrobrás veio da refinaria. Já a Replan foi responsável por 16,5%. Nos últimos dois meses, entretanto, a refinaria do interior de São Paulo bateu recordes consecutivos de produção do combustível marítimo.
De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior, as exportações de óleos combustíveis, que abarcam o bunker, cresceram mais de 140% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com 2019 – de 10,6 para 25,5 milhões de barris. Em arrecadação, o crescimento foi ainda maior, de 168%, o que demonstra crescimento de 12% no valor do produto no mercado internacional.
O economista e analista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Cloviomar Caranine, explica que o crescimento das exportações já vinham crescendo desde o ano passado, mas destaca alguns fatores que contribuíram para ampliar ainda mais essa tendência durante a pandemia.
“Agora com a pandemia e a redução do consumo interno, a empresa foi com mais força para o exterior. Aqui cabe destacar a capacidade de negociação da empresa; a rápida recuperação de alguns mercados, como o asiático; a ótima qualidade do petróleo do pré-sal; o potencial de adaptação das refinarias brasileiras; e a qualidade dos trabalhadores da Petrobrás. Todos estes fatores ajudaram a empresa a se adaptar rapidamente aos novos parâmetros ambientais de especificidades do óleo combustível para navios e ampliar um mercado que a empresa tinha antes da pandemia”, explica Caranine.
Privatização
Desde o início da presidência de Roberto Castello Branco, a Petrobrás já demonstra a intenção de privatizar oito de suas 15 refinarias. Entretanto, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que impede a privatização da empresa-matriz sem o consentimento do Congresso Nacional, freou por alguns meses a estratégia.
Todavia, a direção da companhia tem realizado uma espécie de manobra jurídica, contestada por entidades sindicais e pelo presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP) – o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou atrás de sua manifestação. O objetivo é vender ativos, incluindo as refinarias, sem a necessidade de licitação e, consequentemente, aprovação parlamentar.
Iremos passar a decisão de produção ou não de derivados para o mercado privado, para a decisão de lucro ou não.
No caso específico da RLAM, Caranine chama atenção para o fato de que uma possível privatização poderá causar um monopólio privado e desabastecimento do Nordeste e Norte de Minas Gerais. “A privatização da RLAM traz uma série de efeitos para a Petrobrás, para os baianos e para os trabalhadores. A refinaria foi construída em um projeto nacional de desenvolvimento regionalizado, ainda nos governos militares. A sua venda quebra este projeto de desenvolvimento e não cria concorrência, como justifica a direção da estatal. Pelo contrário, iremos passar a decisão de produção ou não de derivados para o mercado privado, para a decisão de lucro ou não. Também poderá trazer quebra do abastecimento regional, já que esta refinaria é importante no abastecimento do Nordeste e Norte de Minas”, avalia Caranine.
Somadas, as oito refinarias da lista de privatização (RLAM, Lubnor, Regap, Reman, Repar, Refap, RNEST e SIX) foram responsáveis por 49,2% do processamento de petróleo e 37% da produção de óleo bunker nos cinco primeiros meses deste ano. “As refinarias representaram 80% do faturamento da Petrobrás em 2019, elas agregam valor ao petróleo produzido pela empresa e estão em grandes centros urbanos, perto do mercado consumidor. Além disso, tem um custo de transporte entre a produção de petróleo e as refinarias pequeno, pois estão perto dos campos de petróleo”, pontua Caranine.
Todos os dados citados nesta reportagem foram retirados do site da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).