Com manobra jurídica, direção da Petrobrás fatia empresa para acelerar venda
Criação de duas novas subsidiárias é estratégia da companhia para burlar decisão do STF e acelerar venda sem a necessidade de aprovação do Legislativo; Congresso e entidades sindicais contestam operação
Por Guilherme Weimann
Mesmo com o apoio irrestrito à privatização por parte do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), principalmente do ministro da Economia, Paulo Guedes, a direção da Petrobrás está recorrendo a uma manobra jurídica para fugir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema e acelerar as vendas de ativos.
Em plena pandemia do novo coronavírus, a companhia criou duas subsidiárias, com ativos na área de refino e logística. A subsidiária Nordeste reúne as refinarias Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, e Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, além de dutos e terminais interligados. Já a subsidiária Sul contempla as refinarias Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul, e Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, além de dutos e terminais aquaviários.
No final de abril, a Petrobrás anunciou que pretende se desfazer de 60% da sua participação acionária nas novas empresas. A medida, entretanto, é considerada por diversos setores como uma tentativa de driblar sentença do STF, de junho do ano passado, quando os ministros liberaram a venda de subsidiárias pelo governo sem necessidade de lei específica ou licitação.
O veredito da Corte derrubou liminar do ministro Ricardo Lewandowski, de junho de 2018, que havia proibido a venda do controle acionário de empresas públicas e de suas subsidiárias sem aval do Legislativo e licitação prévia. Na ocasião, o magistrado justificou o parecer pela “crescente vaga de desestatizações que vem tomando corpo em todos os níveis da federação, a qual, se levada a efeito sem a estrita observância do que dispõe a Constituição, poderá trazer prejuízos irreparáveis ao país”.
Como alegação central, Lewandowski citou que a Constituição prevê lei específica, aprovada pelo Legislativo, para criar empresas públicas e suas subsidiárias, e, com isso, o mesmo processo deveria ser feito no sentido de se desfazer desses patrimônios.
No julgamento em plenário, todavia, apenas Edson Fachin votou a favor dessa argumentação. Todos os demais, por outro lado, entenderam que a venda de subsidiárias pode ser realizada como parte da gestão do governo. Na ocasião, o ministro Luís Roberto Barroso justificou o voto dizendo que era necessário “superar esse fetiche do Estado como protagonista de tudo”.
Apesar do aceno positivo ao processo de desestatização, o STF manteve a necessidade de lei específica, licitação e aprovação do poder Legislativo para a venda do controle acionário da “empresa-mãe”. Com base nisso, o Congresso Nacional enviou manifestação ao Supremo, assinada pelos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), respectivamente. No documento, os parlamentares pedem uma nova tutela cautelar para barrar o fatiamento da empresa, com o evidente objetivo de vender seu patrimônio sem a aprovação dos parlamentares, prevista na Constituição.
Na manifestação, Alcolumbre denuncia a artimanha. “Essas novas empresas serão criadas artificialmente com o exclusivo propósito de propiciar a posterior venda direta ao mercado. A prática, se for levada a efeito de maneira gradual e contínua, abrirá caminho para que meros atos do Conselho de Administração da Companhia, do qual participam, por óbvio, representantes do Poder Executivo, e não do Legislativo, permitam o desmembramento da ’empresa-mãe’ em várias subsidiárias para, a seguir, alienar o controle de cada uma delas. Ao fim e ao cabo, por essa sistemática, será possível dispor, paulatinamente, de todo o patrimônio estratégico da empresa”.
Desmonte
Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, a Petrobrás se desfez de um total de US$ 16,3 bilhões em ativos, incluindo a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG) e de parte da BR Distribuidora.
Em dezembro passado, durante evento em Nova York, o presidente da companhia, Roberto Castello Branco, foi explícito ao afirmar que o objetivo da atual gestão é restringir a atuação da Petrobrás ao Sudeste, focada apenas na exploração do pré-sal. “A Petrobras vai ser uma companhia bem focada em exploração e produção de petróleo e gás natural em águas profundas, geograficamente concentrada no Sudeste brasileiro, em três estados: Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo”, especificou.
Neste ano, a estratégia está sendo levada a cabo, apesar da pandemia do novo coronavírus, que já contaminou 1.391 trabalhadores, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) – ao menos três faleceram.
Apenas durante a pandemia, a estatal já anunciou a venda da totalidade de suas participações em quatro campos terrestres, localizado na Bacia de Tucano, no interior da Bahia; de 35% do que detinha no campo de Manati, localizado na Bacia de Camamu, também na Bahia; da totalidade de suas ações nos sete campos de produção terrestre na Bacia do Potiguar, no Rio Grande do Norte; de três campos de águas rasas do Polo Pescada, também na Bacia do Potiguar; e da totalidade do que detinha nos sete campos terrestres do Polo Urucu, na Bacia de Solimões, no Amazonas.
A Petrobrás também divulgou o início do processo de venda integral da Petrobras Biocombustível S.A. (PBIO), incluindo três usinas de biodiesel, e de sua participação remanescente de 10% no capital da Nova Transportadora do Sudeste (NTS). Além disso, informou a intenção de se desfazer de 51% do restante das ações que ainda possui na Petrobras Gás S.A. (Gaspetro) – os outros 49% já foram vendidos à Mitsui em 2015 – e de oito refinarias – de um total de 13.
Durante teleconferência com analistas em fevereiro, em plena greve dos petroleiros que paralisou 121 unidades da companhia, Castello Branco afirmou que “a falta de competição é ruim para a Petrobrás, porque se não tem competidores, [a empresa] acaba virando um fat cat [gato gordo]. Por que vou cortar custos, produzir inovações? Não tem ninguém aí para desafiar”, opinou.
No entanto, um estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio) contradiz a principal argumentação a favor da privatização do parque de refino. A falta de infraestrutura de interligação do mercado impossibilitará a competição e poderá facilitar o surgimento de monopólios regionais, caso as privatizações sejam realizadas.
O coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, critica o que considera ser um encolhimento da estatal. “Temos certeza de que a população brasileira não quer ver uma Petrobrás pequena, refém do mercado internacional, o que fará com que nós, consumidores, paguemos mais pelos derivados que deveriam ser vendidos a preços justos. Por isso, é fundamental que a população se junte a nós para que possamos defender essa empresa que é patrimônio do povo brasileiro e assim, defendermos preços justos para os derivados de petróleo”, avalia.
O STF ainda não se pronunciou sobre a manifestação apresentada pelo Congresso Nacional na ação mencionada.