Opinião: Petrobrás vende participação avaliada em R$ 205 milhões por 88% a menos que o estipulado
Avaliada em R$ 205 milhões, a Petrobrás se desfez da sua participação na Belém Bioenergia do Brasil (BBB) por irrisórios R$ 24,7 milhões, o que representa uma venda com 88% de desconto
Via: Associação dos Engenheiros da Petrobrás
Realizado no final de 2019, o processo de venda da participação da Petrobrás na Belem Bioenergia do Brasil (BBB) por um preço 88% a baixo da expectativa levantou dúvidas. Devido à demora para divulgação dos valores que foram trabalhados, o fechamento da transação aparenta ser uma forma de se livrar da participação na coligada, levantando suspeitas sobre a rigidez do negócio.
O processo de compra da participação por R$ 24 milhões, realizado pela petrolífera Galp, empresa de origem portuguesa, aumentou a desconfiança somado com a notícia de que, ainda no mesmo dia da transação original, a participação societária teria sido avaliada em um valor 9 vezes superior. Além disso, a empresa lusitana realizou uma aliança estratégica (joint venture) com a Belém Bioenergia Brasil para a produção de óleo vegetal e biocombustível no estado do Pará.
Histórico da entrada da Petrobrás e surgimento da BBB
Em 2010, ao divulgar seu Plano de Negócios que se estenderia até 2014, a Petrobrás tinha uma visão estratégica e audaciosa para o ano de 2020: ser referência mundial de uma empresa integrada de energia, sustentabilidade e biocombustíveis. A previsão era de que o segmento recebesse US$ 3,5 bilhões até 2014, para que a empresa pudesse atuar “[…] na produção, logística e comercialização dos biocombustíveis e participando na cadeia de valor no Brasil e no exterior, atuando de forma integrada.”
Já em 2011, a carteira de Projetos para Biocombustíveis do Plano de Negócios até o ano de 2015 previa um investimento ainda maior, de US$ 4,1 bilhões para o período. Assim, com a ideia de integração como referencia, a Petrobrás, por meio de sua subsidiária integral Petrobras Biocombustível S.A.(PBIO), formou uma joint venture com a portuguesa Galp para produzir óleo vegetal e biocombustível em solo paraense. O empreendimento, batizado de Belem Bioenergia Brasil S.A. (BBB) foi apontado pelos Planos de Negócios e Relatórios de Sustentabilidade dos anos de 2010 e de 2011 como chave para o crescimento da atividade de produção de biodiesel da estatal brasileira.
Implantação e desenvolvimento do projeto da BBB
Inicialmente, o projeto da Belem Bioenergia Brasil previa a plantação de 50 mil hectares de palmeiras e produção de 300 mil toneladas anuais de óleo de palma, por meio da construção de uma extratora que ficaria pronta em 2014 e com o envolvimento de cerca de mil agricultores familiares da região.
Em um projeto dessa natureza e magnitude, o maior desafio inicial foi a implantação do ativo biológico. Realizar o plantio do dendezeiro, na extensão exigida e manter o dendezal em boas condições exigiram enormes esforços e constantes desembolsos com adubação, controle de plantas invasoras, pragas e doenças. Esse é um cuidado inevitável, desde a implantação até o início da produção e, posteriormente, por 30 anos ininterruptos até o fim da vida útil produtiva dessas áreas, que por sua vez, foram arrendadas, gerando um custo fixo de pagamento pelas terras.
A fase de implantação e condução foi realizada pela Belem Bioenergia Brasil, entre os anos de 2011 à 2015, resultando em dois polos com excelente potencial de produção (Polo Tailândia e Polo Tomé-Açu). No ano de 2013, foram realizados os primeiros investimentos na BBB pela PBio, num valor total de R$ 148,5 milhões. Nesse período, o projeto passou por uma revisão, prevendo a plantação de 60 mil hectares de palma e produção de 355 mil toneladas anuais de óleo.
A fabricação de cachos de frutos frescos de dendê começou em 2014, quando já havia mais de 40 mil hectares de palmares plantados e um adicional de R$ 15,3 milhões investidos. Naquele momento, não foram divulgadas informações concretas sobre as extratoras, mas apenas que o projeto deveria produzir 270 mil toneladas anuais de greendiesel em Portugal.
A nova estratégia da Petrobrás e as mudanças de rumos no projeto BBB
O projeto para produção de óleo de palma começou ter problemas quando a Petrobrás anunciou, em 2015, a sua decisão de sair do negócio de biocombustíveis, conforme divulgado no seu Plano de Negócios e Gestão 2015-2019. Com esse decreto, o projeto de instalação das extratoras e a construção da planta de greendiesel em Portugal, que já estavam atrasados, foram indefinidamente adiados.
Mesmo com a decisão de saída do negócio, foi necessário continuar aportando dinheiro para suprir as necessidades operacionais e as liquidações parciais de financiamentos. Em 2015, a Petrobrás enviou mais R$ 124,7 milhões para a BBB, assim, o projeto já atingia 42 mil hectares plantados com palma (Pólo produtivo de Tailândia com 22 mil hectares e o Pólo de Tomé-Açú com 20 mil hectares).
Sem expectativa de continuidade do planejamento e seguindo às normas contábeis, todo o valor até então investido foi provisionado como provável perda futura, após o teste de impairment considerar que, sem as extratoras, a quantia não gerava retorno. Contudo, em 2016 a Petrobrás continuou enviando recursos para suprir as necessidades operacionais da BBB, no valor total de R$ 84 milhões.
A solução para o impasse da construção das extratoras
Em 2017 foi aprovada uma parceria da BBB com a empresa Dentauá a fim de produzir óleo a partir dos 22 mil hectares plantados no Polo Tailândia. A colaboração teve vigência em 2018 e viabilizou o ingresso de recursos de terceiros para implantação de uma extratora de óleo e mesmo com o contrato firmado, valores não foram informados. A PBio, sob ordens da Petrobrás, investiu mais R$ 110,2 milhões para suprir necessidades operacionais da Belem Bioenergia Brasil.
E assim, em 2018, oito anos após o primeiro plantio de mudas de dendê, foi iniciada a produção de óleo pela Dentauá e anunciada a definição de uma outra parceria que passaria a utilizar toda a plantação de dendezais (Polo Tailândia e Polo Tomé-Açu) na produção de óleo de palma.
Em face desse novo cenário, a Petrobrás determinou à PBio que aportasse mais R$ 81,8 milhões para as necessidades operacionais da BBB. Finalmente, em 2019, ano da saída da Petrobrás Biocombustível da BBB, foi aportado um total de R$ 52,9 milhões na empresa paraense, ignorando o fato de que a negociação para a retirada da estatal do negócio já estava bastante adiantada.
Investimentos realizados na BBB pela PBio
O fato é que uma vultosa quantia foi aportada pela Petrobrás, por meio de sua subsidiária integral, nesse projeto paritário com a Galp no Pará. Os números são públicos e podem ser encontrados nas Demonstrações Financeiras publicadas anualmente pela PBio. No total, foram realizados um total de R$ 617,5 milhões em investimentos na Belem Bioenergia do Brasil.
Cabe ressaltar que, considerando que a BBB era um empreendimento controlado em conjunto pela Petrobrás Biocombustível e pela Galp, no período de 2013 a 2019, a empresa portuguesa também aportou R$ 617,5 milhões no projeto.
O nebuloso processo de venda da participação na BBB
Dada a diretriz de saída do negócio a qualquer custo, a Petrobrás optou por entregar sua participação na BBB à Galp por um valor bem inferior ao que, de fato, deveria receber. No entanto, essa empreitada para produção de óleo no Pará e greendiesel em Portugal começou a ficar mais nebulosa quando a saída da participação começou a se tornar iminente. Vários aspectos sobre o negócio jogam luz e apontam para o fato de que a Petrobrás agiu de maneira, no mínimo temerária, quando o assunto é a saída da Belem Bioenergia do Brasil.
Em primeiro lugar, com a cultura do dendê começa a produção dos primeiros cachos a partir do terceiro ano após a sua implantação, a curva de produção de matéria-prima nos dois polos está atingindo, em 2020, um volume de produção elevado e suficiente para possibilitar margens expressivas na comercialização do óleo de palma de dendê. Vale ressaltar, que a partir desse estágio, os palmares se desenvolverão e terão uma curva ascendente de produção de cachos de frutos frescos (CFF), com possibilidade concreta em extração em volume comerciais.
Por ser o óleo vegetal mais comercializado no mundo, e o Brasil ser deficitário na sua produção para atender a demanda interna, outras vantagens estão incluídas em produzi-lo, além da clara vantagem em comercializá-lo no mercado interno. Além do mais, o óleo de palma é cotado em dólar e, então há uma considerável melhora no resultado da venda do produto produzido.
Como até então não havia capacidade de esmagamento suficiente para processar o volume de produção das colheitas de CFF considerados comerciais, observou-se que parte dos investimentos feitos pela PBio, em 2018 e 2019 principalmente, foram utilizados para financiar o novo parceiro da BBB (Dentauá) na construção de uma nova unidade industrial de esmagamento. Consequentemente, a parceria entre as empresas passaria a contar com duas extratoras, o suficiente para suportar a produção agrícola dos dois pólos e tornar o negócio lucrativo.
Privatização da Petrobrás
O plano de transformar a Petrobrás em uma empresa de matriz energética ampla foi modificado e segue na direção de ser uma empresa de atuação exclusiva na exploração de petróleo, ou seja, com foco no Pré-Sal e mantendo apenas algumas refinarias. Dessa forma, todo o restante dos ativos se encontrar em condições de se tornar um ativo do portfólio de desinvestimento.
Mas esse novo plano não tem se realizado sem uma boa dose de estranheza e situações mal explicadas. O primeiro ponto diz respeito à forma como os desinvestimentos são feitos. Ao que tudo indica, vender ativos deve fazer parte das metas de desempenho dos atuais Diretores da Petrobrás e da PBIO, implicando, inclusive, em recebimento de remuneração variável (bônus) pela conclusão das diversas vendas. A alta administração tenta, assim, receber aplausos a qualquer preço, ainda que isso custe milhões de reais à companhia.
Aproveitando-se do ambiente politicamente favorável à privatizações, segue-se a regra máxima do Ministro do Meio Ambiente, “passando a boiada”, vendendo-se tudo a qualquer preço, vide essa negociação ESDRÚXULA.
Desde de 2014, a Belem Bioenergia do Brasil já tinha à sua disposição R$ 576 milhões de financiamento com custo baixo pelo Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA) para a construção das extratoras. Do total disponível para o empréstimo junto à SUDAM, a BBB chegou a sacar R$ 89 milhões.
Porém, por falta de cronograma e tendo em vista a decisão de saída do negócio por parte da Petrobrás, foi necessário quitar esse empréstimo e o valor não foi utilizado para construir as extratoras. Tal decisão se mostrou bastante ilógica e, mais uma vez, parece ter sido guiada apenas pela necessidade de sair do negócio a qualquer custo. Conforme as demonstrações financeiras da BBB de 2014, o empréstimo obtido no Banco do Brasil (SUDAM) no valor de R$ 89 milhões tinha um custo de 5,5% a.a. e vencimento em 01/06/2026.
Por outro lado, a PBio e a BBB foram eficientes em fazer com que possíveis opositores do desinvestimento não estivessem mais em condições e em cargos de decisão na subsidiária. Desde 2015, quando foi divulgada a saída dos negócios de biocombustíveis, pelo menos um presidente e dois diretores da Petrobrás Biocombustível, perderam a função durante o processo de alienação das ações da BBB. Por fim, tudo indica que a venda teve que ser pessoalmente conduzida com punho de aço pela Diretora Executiva de Refino e Gás Natural, Anelise Quintão Lara.
Em novembro de 2019, com os recursos aportados na BBB pela PBio e pela GALP, a segunda extratora já estava sendo construída, o que valorizaria de forma expressiva o ativo. Ainda assim, a Petrobrás efetuou a venda da empresa ignorando tal fato. Em primeiro de novembro foi comunicado ao mercado:
Rio de Janeiro, 01 de novembro de 2019 – A Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, em continuidade ao comunicado de 08/08/2019, informa que sua subsidiária Petrobras Biocombustível S.A. (“PBIO”) finalizou hoje a venda da sua participação de 50% na empresa Belem Bioenergia Brasil (“BBB”) para a Galp Bioenergy B.V. (“Galp”), que detém os outros 50% de participação na empresa. A BBB foi constituída em 2011 pela Petrobras e pela Galp, para a produção de óleo vegetal no Brasil. Após o cumprimento de todas as condições precedentes, a operação foi concluída, cabendo à PBIO o direito de receber cerca de R$ 24,7 milhões, os quais serão retidos pela Galp até dezembro de 2020 para compensação de potenciais pagamentos de indenizações.”
O valor teórico de venda R$ 24,7 milhões foi retido para possíveis indenizações trabalhistas e ambientais, e dificilmente será revertido integralmente à Petrobras Biocombustível. O preço real da venda será conhecido apenas em dezembro de 2020 e, provavelmente, será de R$ 1,00, como outras alienações feitas pela companhia. Os detalhes desse negócio mal explicado só poderiam ser conhecidos se o Contrato de Compra e Vendas de Ações (CCVA), negociado pela área de desinvestimento da Holding e a Galp, fosse disponibilizado pela Petrobrás, conforme determina a Lei de Acesso à Informação (LAI).
Já a Galp estava em um clima completamente diferente quando as transações para saída da PBio da BBB já se encontravam adiantadas. A empresa portuguesa não queria sair a qualquer custo do negócio, principalmente porque não teria motivos para fazê-lo no momento em que o projeto iria finalmente começar a dar lucro, isso seria totalmente irracional do ponto de vista econômico. Dessa forma, a Galp permaneceu no negócio após comprar a parte da Petrobras Biocombustível, dando seguimento às operações da Belem Bioenergia do Brasil.
O que mais chama atenção e causa estranheza é o fato de que, no mesmo dia em que a participação da PBio foi vendida à Galp por R$ 24,7 milhões, a petrolífera portuguesa avaliou os palmares em R$ 205 milhões. As Demonstrações Financeiras da GALP em 2019 afirmam que a parte da BBB pertencente a Petrobras Biocombustível foi comprada por 5 milhões de euros e no mesmo dia a empresa registrou como “ativos de parceiros” o valor de EUR 45 milhões.
Não é possível ter certeza sobre quais critérios foram adotados pela área de desinvestimento da Petrobrás para avaliar sua participação na BBB por um valor tão baixo. É válido levantar dúvidas se foram considerados os 42 mil hectares de plantação em plena produção e uma extratora já em funcionamento. Como a Galp teria conseguido, em algumas horas, transformar R$ 24,7 milhões do valor que pagou pela parte da Petrobras Biocombustível em R$ 205 milhões? O balanço da empresa originada por toda essa confusa transação, a Tauá Brasil Palma S.A, publicou no Diário Oficial do Estado do Pará alguns detalhes de toda a operação.
Cabe destacar que, em apenas dois meses de operação (novembro e dezembro de 2019), a nova empresa, fruto da parceria da Galp (via BBB) com a Dentauá, obteve mais de R$ 7 milhões de lucro líquido. Além disso, o Patrimônio Líquido da Tauá Brasil Palma, da qual a Galp é dona de 49,9%, conforme suas Demonstrações Financeiras do exercício de 2019, é de mais de R$ 600 milhões.
A Galp, portanto, após comprar a parte da PBio com 88% de desconto em relação ao estipulado, usou esses ativos para firmar uma parceria na qual possui mais de R$ 300 milhões de participação (49,9% do Patrimônio Líquido da nova empresa). A Petrobrás poderia ter optado por realizar as mesmas transações que a petrolífera portuguesa realizou e assim garantir o mesmo retorno para esse investimento. Resta-nos, agora, saber se o prejuízo milionário aos cofres da estatal brasileira é resultado de uma varinha de condão da Galp, ou uma incompetência absoluta da área de desinvestimentos da Petrobrás.